O Conselho Federal de Medicina (CFM) passou a permitir que médicos divulguem seus trabalhos nas redes sociais, preços de consultas, realizem campanhas promocionais e usem imagens de pacientes. A decisão ganhou oposição de alguns médicos, como o cirurgião plástico Dr. Josué Montedonio, que se coloca como crítico à mudança.

“Eu vejo essa resolução do CFM com muita reticência. Uma das premissas do CFM foi justamente preservar e evitar a exposição do paciente e combater as práticas mercantilistas dentro da medicina. Óbvio que todos trabalhamos com intuito de garantir o sustento de forma digna, mas alguns “profissionais” acabaram extrapolando as regras, burlando as normas e reinterpretando o código de ética médica a seu bel-prazer. Com isso, falando particularmente da cirurgia plástica, vivenciamos uma verdadeira invasão da especialidade por parte de outros colegas sem capacitação ou treinamento para executar procedimentos que, muitas vezes, provocaram sequelas permanentes em pacientes incautos, inclusive muitos tendo desfecho fatal”, afirma Dr. Josué.

Ele acrescenta ainda que nos último anos tem ocorrido uma “invasão da especialidade” por parte de médicos de outras especialidades e também de profissionais de não médicos, como farmacêuticos, fisioterapeutas, dentistas, biomédicos, que perceberam que a estética gera um ótimo retorno financeiro, o que evidencia ainda mais “uma banalização de procedimentos e cirurgias generalizados em busca de algo lucrativo, sem se preocupar com a saúde, segurança e bem estar do paciente.”. Segundo ele, essa invasão de vale de um “marketing agressivo com belos resultados de pré e pós operatório. E cabe aqui colocar que, muitos desses resultados, muitas vezes manipulados através de filtros, ângulos, luzes e sombras”, diz o cirurgião.

Dr. Josué Montedonio destaca também que houve um lobby com o intuito de “modernizar” as normativas do conselho, usando como exemplo outras sociedades de cirurgia plástica internacional que permitiam a exposição de fotos de antes e depois. Além disso, ele reforça que com o crescimento das mídias sociais, o ideal de perfeição passou a ser ditado pelos influenciadores através da exposição diária pelo feed e stories.

“Hoje o que vemos com mais frequência é uma presença massiva de pele retocada, olhos ampliados, barriga sarada, essa eterna juventude. Isso começa a se tornar ‘normal’ e a percepção do próprio corpo também começa a se alterar, porque não existe filtro na vida real e a única maneira de conseguir essa imagem perfeita é com procedimentos estéticos ou com cirurgia”, destaca.
O médico reforça ainda que essa realidade reforçada pelo mundo digital pode ser reproduzida na propaganda liberada aos médicos, ocasionando sérios problemas. “Como me?dico, acredito que temos uma responsabilidade e um compromisso de mostrar o que e? real, seus riscos e benefi?cios. Num pai?s cuja imagem e? a ‘beleza natural’, a valorizac?a?o das te?cnicas ciru?rgicas acaba sendo um paradoxo, ainda mais com toda essa banalização imposta pela mídia. Precisamos ter muito critério de julgamento para não cair em ciladas, até porque nem sempre quem mexe com a estética tem um senso estético crítico” explica.
Para Dr. Josué, a decisão do CFM, que ele chama de “afrouxamento das regras” permitirá uma consequentemente maior exposição de resultados – verdadeiras propagandas – por parte de alguns profissionais, podendo estimular ao paciente um resultado que não pode ser replicado, um anseio por coisas que não estão de acordo com a realidade. “É imprescindível informar sobre todos os riscos relacionados a qualquer tipo de procedimento de forma muito clara, explicando as intercorrências que podem acontecer. Além disso, a atenção e o cuidado com os pacientes submetidos a qualquer procedimento precisa ser uma constante em todas as etapas do processo — especialmente no pós-cirúrgico, onde os pacientes se encontram mais vulneráveis”, afirma.
O cirurgião plástico reforça também que sua especialidade visa corrigir imperfeic?o?es e na?o tem o intuito de fazer algue?m igual ou melhor que ningue?m. Além disso, a exposição de pacientes e a propaganda médica pode gerar maus resultados também para a categoria. “Obviamente, o profissional que está “expondo” o seu trabalho, seus melhores casos, busca maior visibilidade, maior engajamento e consequentemente uma maior procura pelo seu serviço, ou seja, busca mais pacientes para que tenha um maior retorno financeiro da maneira mais rápida. Sabemos que medicina não é matemática, existem diversos fatores que podem influenciar um resultado. Isso acontece com um profissional que esta presente expondo essas promessas de resultados, corre o risco de sofrer um linchamento virtual podendo comprometer toda uma carreia virtuosa. O famoso, tudo por dinheiro. São os riscos que estão correndo expondo somente o que querem que você veja “, detalha.
Para exemplificar sua postura contra a exposição dos pacientes liberada pelo CFM, Dr. Josué conta sobre uma prática adotada por ele para ilustrar seu trabalho com os pacientes: ilustrações e animações sobre cirurgia. “Procuro falar a respeito dos procedimentos e cirurgias de uma forma mais leve, lúdica e bem humorada. Todas ilustrações e animações são autorais e feitas com a intenção de ajudar a diminuir a ansiedade e o medo do desconhecido, transmitindo segurança e confiança de forma descontraída. Comecei a fazer dessa forma, porque todo dia via publicado conteúdos cada vez mais apelativos e sensacionalistas, na tentativa de atrair pacientes e pessoas em busca de melhora da auto estima. Fotos de antes e depois de pacientes expostos (muitas vezes sem consentimento) no centro cirúrgico, com jogo de luzes e sombras para mostrar determinado resultado, fotos manipuladas… ‘Profissionais’ acariciando corpos de pacientes recém operados ou anestesiados, como se tivessem acabado de esculpir uma obra de arte, mostrando os ‘melhores’ resultados como se aquilo coubesse para todo mundo. E por não concordar com essa postura, procuro ser o mais transparente, ético e didático com quem procura informação sobre cirurgia plástica”, revela sobre sua ideia.
Por fim, diante das mudanças e de um novo cenário que se vislumbra, o cirurgião deixa um alerta: “A qualquer um que busque um procedimento, fica o alerta de pesquisar sobre o profissional que vai realizar o procedimento, se é qualificado, se tem formação e preparo para resolver qualquer intercorrência que possa vir acontecer, avaliar a infraestrutura, retaguarda, segurança do local onde vai se submeter ao procedimento, porque, muitas vezes o preço que que se paga são sequelas irreparáveis ou então até a própria vida”, pontua.