O Cerrado, considerado o “berço das águas” do Brasil, enfrenta um cenário alarmante: 40,5 milhões de hectares de vegetação nativa foram derrubados em 40 anos. A perda, equivalente a uma Espanha inteira ou duas vezes a área do Paraná, representa 28% da cobertura nativa registrada em 1985 e coloca o bioma como o segundo mais degradado do país, atrás apenas do Pampa.

O levantamento, feito pela Coleção 10 do MapBiomas, em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), revela que a agricultura foi o uso da terra que mais cresceu proporcionalmente, com alta de 533% — um salto de 22,1 milhões de hectares no período. A pecuária também avançou, com aumento de 14,7 milhões de hectares de pastagens, enquanto a silvicultura cresceu 446%.

Segundo Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM, a redução da vegetação ameaça diretamente a resiliência do bioma.
“A perda compromete a resistência do Cerrado frente às mudanças climáticas, intensifica secas, pressiona recursos hídricos e coloca em risco a própria produção agrícola no longo prazo”, alerta.
Quatro décadas de transformação no uso do solo
O estudo detalha a mudança de perfil do Cerrado ao longo de cada década:
• 1985–1994 – Período de conversão acelerada, com 15,3 milhões de hectares de vegetação nativa suprimidos, principalmente para abertura de pastagens. Foi quando o Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) começou a despontar como fronteira agrícola.
• 1995–2004 – Avanço no Matopiba e redução da superfície de água, que atingiu seu menor nível histórico em 2001.
• 2005–2014 – Menor desmatamento em área absoluta, mas pico da intensificação agrícola, com conversão massiva de pastagens em lavouras, especialmente no centro-sul. O Código Florestal, aprovado em 2012, estabeleceu a conservação de até 35% da vegetação nativa em imóveis rurais do Cerrado.
• 2015–2024 – Retomada do desmatamento, com 6,4 milhões de hectares derrubados. A conversão para pastagens seguiu predominante, mas a agricultura avançou especialmente no Matopiba.
Bárbara Costa, analista do IPAM, destaca que cada década apresentou um padrão diferente:
“Nos anos 80 e 90, a pecuária dominou. A partir dos 2000, a agricultura passou a liderar, redefinindo a ocupação do território.”
Matopiba: epicentro do avanço agrícola
O Matopiba se consolidou como uma das regiões mais dinâmicas — e mais vulneráveis — do Cerrado. Entre 2005 e 2014, 8 em cada 10 hectares desmatados para agricultura no bioma estavam nessa área.
Para o pesquisador Dhemerson Conciani, o desafio é urgente:
“O Matopiba abriga os maiores remanescentes contínuos de vegetação nativa do Cerrado, mas carece de áreas protegidas, o que torna a região altamente suscetível à degradação.”