Os governos do Brasil, da Espanha e da África do Sul lançaram nesta terça-feira (1) uma proposta conjunta para avançar na criação de um sistema internacional de taxação sobre grandes fortunas. A iniciativa foi apresentada durante a Quarta Conferência da ONU sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), em Sevilha, e dá sequência à proposta brasileira anunciada no G20 de 2024, no Rio de Janeiro, de estabelecer uma tributação mínima de 2% sobre o patrimônio de bilionários.

A proposta foi apresentada sob o título “Tributação efetiva de indivíduos de alta renda: impostos sobre os super-ricos”. Ela defende que se os bilionários continuarem contribuindo proporcionalmente menos que a maioria da população, “a extrema desigualdade continuará a crescer, minando o crescimento, a sustentabilidade e a confiança pública na democracia”.

A medida, articulada no âmbito da Plataforma de Ação de Sevilha (SPA), tenta ampliar a capacidade de países em desenvolvimento arrecadarem recursos próprios, em um momento em que o financiamento climático é o principal ponto de impasse nas negociações da COP30, que será realizada em Belém, em novembro. O texto prevê a criação de um plano de trabalho para os próximos três meses e encontros regulares entre os países signatários.
Durante a FfD4, o Greenpeace defendeu a tributação de bilionários e empresas superpoluidoras como forma de financiar ações climáticas e reparar perdas e danos. “Sevilha é uma oportunidade rara para a justiça econômica global e para conversas urgentes sobre como bilionários e grandes poluidores corporativos devem pagar sua parte justa em impostos para financiar a ação climática, a proteção da natureza e programas sociais”, defende Fred Njehu, líder político global da campanha Fair Share do Greenpeace África. “Os líderes mundiais precisam ouvir o que a população quer e entregar um sistema tributário que funcione para todos.”
A federação sindical PSI, presente na conferência, saudou a proposta como resultado de uma década de mobilização por justiça fiscal: “A proposta […] representa um passo histórico para enfrentar a desigualdade extrema de riqueza, que ameaça tanto os serviços públicos quanto a própria democracia.”
Paraísos fiscais
A taxação de bilionários capitaneada internacionalmente por Brasil, Espanha e África do Sul faz parte de um contexto mais amplo: o processo de negociação da Convenção das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Matéria Tributária (UN Tax Convention). A convenção vai reformar as regras fiscais globais substituindo o atual modelo liderado pela OCDE. Além de ampliar a arrecadação e torná-la mais justa, a convenção busca combater a evasão por meio de paraísos fiscais e o uso de estruturas financeiras opacas por redes de crime organizado — elementos centrais para frear a drenagem de recursos dos países em desenvolvimento.
A primeira vitória política para a criação da Convenção ocorreu em setembro de 2024, com a aprovação, por 110 países, dos Termos de Referência que guiam as negociações. Oito países votaram contra — incluindo Estados Unidos, Israel, Reino Unido e Canadá — e 44 se abstiveram, a maioria deles europeus.
Este ano, os Estados Unidos se retiraram formalmente da negociação, o que enfraqueceu o bloco de oposição e abriu espaço para maior protagonismo das economias em desenvolvimento — em especial o G77+China. Criado originalmente no contexto da Convenção do Clima, o grupo vem ganhando coesão e ampliando sua influência em outras arenas diplomáticas, como a reforma fiscal internacional. Do outro lado, a UE desistiu de fazer oposição formal, mas ainda tenta limitar a ambição da proposta.
A taxação sobre os bilionários se conecta diretamente a esse processo, ao reforçar o tema da tributação de grandes fortunas como um dos eixos da cooperação fiscal internacional. Segundo estimativas do economista Gabriel Zucman, uma alíquota mínima de 2% sobre o patrimônio dos cerca de 3.000 bilionários do mundo poderia gerar até US$ 250 bilhões por ano.
Em resposta à proposta, Zucman — referência técnica da iniciativa — classificou o momento como “o embrião de um novo — e necessário — multilateralismo Sul-Norte, que coloca a justiça econômica, climática e social no centro”.
“Pessoas ao redor do mundo estão pressionando para que mais países rejeitem a influência política corruptora das oligarquias. A taxação dos super-ricos é uma ferramenta vital para garantir o desenvolvimento sustentável e combater as desigualdades”, afirma Susana Ruiz, líder de Justiça Fiscal da Oxfam.
“Neste ano, a FfD em Sevilha, a COP30 no Brasil e o G20 na África do Sul são oportunidades-chave para a cooperação internacional em torno da taxação dos super-ricos e do investimento em um futuro sustentável que coloque os direitos humanos e a igualdade no centro”, completa.
A cooperação internacional em temas fiscais sofreu reveses na recente cúpula do G7, no Canadá. Os Estados Unidos conseguiram aprovar uma cláusula que isenta multinacionais americanas de uma tributação mínima global, e, em seguida, o governo do Canadá anunciou a retirada de sua taxa sobre empresas digitais, após pressão direta do governo Trump.
A próxima rodada de negociação formal da UN Tax Convention ocorrerá de 4 a 15 de agosto, em Nova York.