Em um mundo de imagens perfeitas criadas por algoritmos, o ator e humorista Paulo Guerra usa a própria tecnologia para nos lembrar do que é insubstituível: a autenticidade do erro, do improviso e do olhar
A Inteligência Artificial invadiu nosso cotidiano com uma promessa de perfeição; cenários deslumbrantes, corpos idealizados e um fascínio que captura o olhar em segundos. Mas, em meio a essa avalanche de beleza sintética, uma angústia silenciosa começa a tomar forma, onde termina o artista e começa a máquina? É essa fronteira cada vez mais turva que o ator e humorista mineiro Paulo Guerra decidiu explorar, não com medo, mas com a arma que domina com maestria: a ironia.

Conhecido por um trabalho que une o afeto de suas personagens populares, como as inesquecíveis Cidoca, Neuza e Mariza, à sofisticação de um roteiro que flerta com o cinema, Paulo decidiu se render ao experimento. Um ensaio fotográfico recente, criado com auxílio de IA, trouxe o resultado esperado: engajamento nas alturas, novos seguidores e um alcance surpreendente.
“Notei que meus números cresceram consideravelmente. Foi surpreendente, e confesso, um pouco assustador”, revela o artista. O que poderia ser apenas uma celebração de métricas se transformou, em seu olhar crítico, em uma reflexão profunda sobre identidade e relevância. “A IA facilita, inspira e provoca. Mas também cria um novo tipo de ansiedade. De repente, o público passa a se encantar por uma versão sua que talvez nem exista.”
A fala de Guerra ecoa um sentimento crescente de confusão, onde o criador corre o risco de se tornar refém de sua própria criação digital. É um paradoxo moderno, ao buscar a imagem perfeita para se conectar, o artista pode acabar se desconectando de sua própria verdade.
Com a sagacidade que o transformou em um fenômeno com mais de dois milhões de seguidores, Paulo transforma a discussão em um convite para o que realmente importa. “A tecnologia é incrível, mas o afeto continua sendo humano. A ironia, o improviso, o erro, o olhar, isso nenhuma máquina vai reproduzir. E é aí que o jogo fica interessante”, provoca.

Assim como Nelson Rodrigues usava a crônica para desnudar a alma humana, Paulo Guerra se apropria do digital para fazer o mesmo, trocando a tragédia pela ternura e pela gargalhada que nos identifica. Ele nos lembra que a verdadeira conexão não nasce da perfeição de um filtro, mas da vulnerabilidade de uma história bem contada.
Seu trabalho é um lembrete de que, por trás de cada personagem e de cada post, existe a memória afetiva de sua avó, Dona Conceição, a cúmplice de suas primeiras “loucuras” criativas. É essa humanidade que nenhum algoritmo consegue replicar. Rir com Paulo Guerra não é apenas consumir um conteúdo; é revisitar a própria história e celebrar o que nos torna imperfeitamente reais.