Por Esther Rebollo, EFE
Tradução do espanhol para o português: Edalys Portuondo – ANGOP
Militar graduado na União Soviética e jogador de xadrez. Você tem o Exército do seu lado e isso tem muito valor. Os que o conhecem dizem que é reservado e discreto. Diga-me, em poucas palavras, quem é João Lourenço? Seria muito atrevido chamar-lhe o Gorbachov angolano? Ou o Deng Xiaoping reformador?
R: Acho que você diz tudo. É difícil falar de mim mesmo, prefiro que sejam as outras pessoas que falem de mim. Reformador? Vamos trabalhar para isso mas, desde já, Gorbachov, não, Deng Xiaoping, sim.
José Eduardo Dos Santos deixa o poder depois de 38 anos. Como assume o desafio de ser o novo Presidente de Angola?
Assumo com muita confiança, apesar das dificuldades. Os resultados eleitorais têm sido bons e o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) tem conseguido um grande apoio popular e isso nos anima a prosseguir. Também há grandes dificuldades, a situação financeira é menos boa devido à queda dos preços do petróleo, mas Angola é um país em paz, um país no qual os cidadãos se têm reconciliado e isto é uma vantagem perante os 38 anos em que foi Chefe de Estado o meu antecessor, que, durante pelo menos 27 anos, governou em situação de guerra. Felizmente, encaro esta nova fase de paz com ânimo, vamos nos centrar fundamentalmente no desenvolvimento econômico e social do país.
Tendo em conta que o petróleo representa 70% dos ganhos do Estado e o 95 por cento das exportações, qual é seu plano para recuperar a economia?
Convidar os investidores estrangeiros para Angola, agora em situação de paz, que é uma das bases e preceitos para atrair investimento; e vamos trabalhar para criar um bom ambiente de negócios. Por exemplo, vamos mudar a nossa política de vistos, porque até agora tem sido um impedimento para a chegada do investimento. Também vamos lutar contra a corrupção, em todos os seus aspectos, contra o nepotismo. Uma vez ganhas estas batalhas, vai ser mais fácil conseguirmos os investimentos para o país.
A chave está na diversificação e privatização? Quais são os setores em que a apostar? Tem a intenção de privatizar grandes empresas angolanas, como a petrolífera Sonangol?
Diversificar a economia é fundamental e indispensável para sobreviver, é imprescindível abrir a nossa economia e esquecer um pouco do petróleo. O nosso país, Angola, pode sobreviver, tem recursos além do petróleo. Vamos criar incentivos na agroindústria, Angola tem uma grande extensão, muitas terras cultiváveis, muita água, um clima muito propício (porque não tem Inverno) e pode ser uma grande potência agrícola, como o Brasil. Logo, queremos diversificar o nosso sector industrial, as indústrias de transformação e extração. Angola tem uma grande variedade de minerais, alguns importantes, como diamantes, ouro e ferro. Até agora, só se explora petróleo e diamantes. Também temos a pesca. Angola tem uma costa marítima extensa, já foi, em outros tempos, um grande produtor de peixe e mariscos, o mar pode gerar recursos para alimentar a nossa população e para exportar.
E quero insistir no turismo, Angola tem um grande litoral, queremos trabalhar o turismo de costa, como também o do interior. Queremos investidores para criar infraestruturas e isso nos permitiria criar postos de trabalho. Se diversificamos nestes quatro ramos da economia, poderemos resolver um dos problemas principais de Angola, o do desemprego, especialmente dos jovens.
E quanto às privatizações de empresas, é uma possibilidade que está aberta. Quais? Não lhe posso dizer, isso vai ser estudado caso a caso e o fará o novo Executivo. Vamos estudar a possível privatização daquelas empresas estatais que são pesos mortos para o país, que não são rentáveis, que estão a custar muito dinheiro aos cofres do Estado.
Há outros problemas cruciais em Angola: pobreza e corrupção. Como é possível que no segundo país petrolífero de África, com uma riqueza imensa – mesmo que tenha vivido uma larga guerra civil – metade da população viva com menos de dois dólares por dia?
Esses dados não são verdadeiros, não se pode dizer que metade da população angolana, quer dizer, 12,5 milhões de angolanos, vivem com menos de dois dólares por dia. Angola viveu durante quase três décadas de guerra, não conheço um país que tenha tido um período de guerra tão prolongado, não conheço na Ásia, nem na Europa, nem em África.
Nós temos sobrevivido e, durante os últimos 15 anos, temos reduzido o índice de pobreza, embora reconheçamos que a pobreza continua.
O nosso governo pretende aplicar medidas para melhorar a inclusão económica e social; quer dizer, aumentar a oferta de trabalho e confiamos, sobretudo, no sector privado, porque o Estado não pode ocupar-se de todos os cidadãos. Por isso, apostamos no sector privado, é a solução ao problema do desemprego e queremos criar um sistema de inclusão para os jovens.
Pobreza, sim, há pobreza, mas não nos níveis que apontam estas estatísticas. O que queremos é que os cidadãos possam criar micro, pequenas ou médias empresas.
Quanto à corrupção, estamos cientes de que existe. No MPLA, reconhecemos e sabemos que é dos maiores males na nossa sociedade. Durante anos, temos lutado contra dois males: a guerra e a temos superado, pois acabamos com o conflito armado e falta a luta contra este mal, que é a corrupção.
O que procuramos, sabemos que vai ser difícil, é chegar a níveis – não vamos dizer aceitáveis – mas os que existem a nível internacional. E estamos decididos a enfrentar esta batalha, há quem tem dúvidas, mas temos que ter coragem e lutar, porque também é a única maneira de convencer os investidores para que venham a Angola.
Qual é a cifra oficial de pobreza, para evitar incorrer em erro?
Pois, agora, assim, não lhe posso dar uma cifra exata, mas, desde logo, posso afirmar que, nos últimos anos de paz, a taxa de pobreza tem baixado muito em Angola. Nós circulamos pelo país, vemos, visitamos o interior, a produção agrícola tem subido muitíssimo, não há tanta fome e investiu-se muito na habitação. É verdade que há pobreza, mas estamos determinados em acabar com ela.
Com tantos anos no poder, Dos Santos tem sido bom para Angola?
Essa pergunta não se pode responder sim ou não, nem bom ou mau. Há que ter em conta a situação, ninguém pode realizar eleições com guerra e, durante esse período, só pudemos convocar eleições em 1992. Depois da paz, em 2002, realizamos três eleições, em 2008, 2012 e 2017.
O presidente, nestas terceiras eleições, decidiu entregar o poder, porque durante a guerra isto não podia ser feito.
É mau, por um conflito tão prolongado, mas é bom porque, durante esse período, conseguiram-se muitas coisas: a independência se mantém, a soberania também; evitaram-se duas invasões, uma pelo norte e outra pelo sul; acabou-se com o ‘apartheid’, ajudando a Namíbia e a África do Sul; acabou-se com o conflito interno em Angola e, por tudo isso, tem sido bom. Aí estão os fatos.
Durante a sua campanha para a Presidência de Angola, o senhor prometeu manter o bom e corrigir o não tão bom. Acredita que pode ser o artífice do milagre econômico?
O lema da minha campanha foi “melhorar o que está bom e corrigir o que está mal”, isso inclui uma grande humildade, reconhecer que nem tudo está bem e que há coisas que há que mudar. E, ao mesmo tempo, dizer que há coisas que se têm feito bem.
Os nossos dois presidentes: Antônio Agostinho Neto e José Eduardo Dos Santos, conseguiram, o primeiro, a independência e, o segundo, a paz e a reconciliação.
Ambas são conquistas fundamentais. Desde a paz, em 2002, têm sido feitas muitas ciosas, tem-se reconstruído muitas coisas destruídas durante a guerra – estradas, pontes.
Hoje em dia, há conexões por terra, com todos os países vizinhos, ecepto, por causa do rio, a RDC. Os caminhos-de-ferro foram reconstruídos. Faltam as conexões internacionais, porque os países vizinhos não têm feito os investimentos necessários; o porto do Lobito tem todas as condições para conectar-se com outros países; construímos estradas, barragens e hidroelétricas.
Agora, eu vou preservar e usar esses feitos, a independência, a soberania, a paz e a reconciliação, e vou centrar-me em desenvolver a economia; Angola tem recursos enormes e as condições necessárias para criar um ambiente de negócios que incite os investidores a vir ao nosso país.
Temos as bases, temos que investir na educação, nas pessoas, porque o desenvolvimento económico não é só uma questão de recursos.
Uma transição do marxismo para o capitalismo?
A passagem de uma economia marxista-leninista para uma democracia multipartidária ou economia de mercado, começou em 1991, quando assinamos os Acordos de Bicesse, em Portugal. É um processo que não se faz da noite para a manhã, nós vamos consolidar este processo e vamos respeitar as bases da economia de mercado.
Dos Santos mantém-se como presidente do MPLA. Isto significa que o partido vai marcar as diretrizes do Governo? Vai poder governar com independência?
O presidente Dos Santos é uma personalidade muito respeitada dentro do partido, como pelo conjunto da sociedade e não é anormal que o presidente do partido no poder não seja o mesmo presidente da República. Só para citar um caso, Donald Trump é presidente dos Estados Unidos, mas não é do Partido Republicano.
Mas está claro que o MPLA vai influenciar nas políticas do Governo, porque é o partido mais votado, tem 61% dos votos. Não é justo pensar que o MPLA não vai conduzir as políticas do novo governo, então quem poderia ser? O partido menos votado? Sem dúvidas, o novo governo vai seguir os ideais do MPLA, porque é o partido a que o povo tem dado a confiança.

Afastando-nos de Angola, Venezuela é outro país petrolífero que também não diversificou a sua economia. Qual a sua opinião sobre a situação da Venezuela?
Acredito que os problemas que a Venezuela atravessa não são somente económicos e compete aos venezuelanos analisar as causas da situação em que se encontram.
Mas não é um problema económico, há muitos produtores de petróleo no mundo e nem todos estamos na mesma situação, apesar da baixa dos preços do petróleo. Estamos todos afetados com a baixa dos preços, mas nem todos estamos na mesma situação. Não sou eu quem deve falar dos problemas da Venezuela.
Cuba continua a ser um parceiro e país aliado?
As nossas relações com Cuba continuam num nível muito alto e vamos continuar a trabalhar para fortalecê-las. Une-nos ao povo cubano um sentimento de gratidão, deu-nos a mão num momento crítico, os cubanos derramaram o seu sangue no nosso território e isso não tem preço. Os angolanos não são ingratos e vamos continuar as nossas relações com Cuba, vamos continuar a considerá-lo um país amigo, abertamente e de coração. Não o vamos fazer às escondidas.
Estive de visita aos Estados Unidos e reuni-me com o meu homólogo, James Mattis, e de lá viajei para Havana, onde fui recebido pelo presidente Raul Castro. Pode ser que no futuro, que não será um futuro imediato, poderá vir a surgir algum governo que possa ser ingrato, mas de momento não.