Olavo David Neto e Vítor Mendonça
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O governo do presidente Eurico Gaspar Dutra pareceu trazer de volta o interesse pela tese da mudança da capital para o interior. Na avaliação de algumas linhas historiográficas, talvez não exatamente por uma convicção pessoal de Dutra, mas talvez mais como um reflexo da sua obsessão por cumprir rigorosamente os preceitos da Constituição que promulgou em 1946 – o “livrinho”, como chamava.
Foi, porém, um tempo de revezes para o país. Num período de Guerra Fria e polarização de forças entre Estados Unidos e União Soviética, o Estado brasileiro alinhou-se automaticamente aos norte-americanos, rompendo, pouco mais de dois anos depois, as relações diplomáticas com Moscou e se isolando de boa parte do mundo oriental.

Também foi uma época dura para o proletariado. Apesar do caráter autoritário, a Era Vargas mostrou-se um período de conquistas trabalhistas, representado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) imposta por Getúlio. Um exemplo é o valor do salário mínimo. De 1942, quando o Brasil trocou o mil réis de Pedro II pelo Cruzeiro, a 1945, ano da queda do Estado Novo, houve uma redução do valor real de US$ 80 para US$ 65. A partir de 1946, a queda se acentua: chega a US$ 45 em 1947, baixando para US$ 42 nos dois anos seguintes, para chegar a US$ 40 em 1950, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o índice mais baixo no governo Dutra.
Além da desvalorização do pagamento ao trabalhador, a Segunda Guerra Mundial também contribuiria para limar a embrionária industrialização desenvolvida durante o Estado Novo, principalmente no consumo de itens primários. Durante a presidência de Dutra, as reservas cambiais brasileiras — medida que afere, a partir da balança comercial, os gastos do país no exterior -— foram queimadas pela aproximação com o Tio Sam, assim como colaborou o ressurgimento do comércio europeu, sobretudo nos bens de consumo, destroçado na guerra nazista.
“O retrato do velho”
As medidas do governo Dutra acabaram ajudando a pavimentar o caminho para a volta de Vargas, que ele planejara desde sempre. O ex-ditador, desta vez, seria conduzido ao Palácio do Catete, sede da Presidência, pelas urnas. Disputava contra o brigadeiro Eduardo Gomes, da União Democrática Nacional (UDN) e o desconhecido mineiro Cristiano Machado, pelo Partido Social Democrata (PSD), candidatando-se pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Vargas manobrou para que o PSD na prática abandonasse seu candidato, criando um verbo que a política usa até hoje. “Cristianizar” virou sinônimo de largar o candidato do partido para apoiar outro de outra legenda.
A vitória veio após Getúlio aglutinar 48% do eleitorado em torno do seu nome. Em 1951, o gaúcho voltou ao poder e já tomou medidas que consolidaram a sua marca de grande bastião do trabalhismo brasileiro. No ano seguinte à posse, o salário mínimo real chegava a US$ 97, maior índice desde 1940; um ano depois, cairia a US$ 82 para, no ano do suicídio do presidente, voltar aos US$ 100 das quase duas décadas anteriores.
Amigo do mudancismo
Nem só de salário mínimo, porém, viveu Getúlio Vargas no segundo governo. Tido como inimigo da interiorização da capital — apesar da resistência em construir uma nova sede do poder nacional se desse para manter o equilíbrio com as oligarquias cafeeiras, de São Paulo, e pecuárias, de Minas Gerais, como visto na reportagem 16 deste especial —, Vargas retornou de braços abertos para o projeto mudancista. Tanto é que, já sob seu governo, proliferaram no Congresso Nacional propostas em torno do tema.
Ainda em 1951, o deputado mineiro Dilermando Cruz submeteu à análise do parlamento o Projeto de Lei (PL) 1343, que transferia, provisoriamente, a capital da República para Belo Horizonte.
Comissão especial
No ano seguinte, o Congresso despacha a Resolução nº 227, que institui a Comissão Especial de Mudança da Capital, para discutir a retirada dos maiores poderes brasileiros do Rio de Janeiro. Teria prazo de 60 dias e seria composta, se aprovada, de 25 deputados. Sem sucesso, mas com legado, a resolução resultou no Decreto 32.976, segundo o qual era “criada uma Comissão Especial para se incumbir dos estudos definitivos destinados à escolha do sítio e da área da nova Capital”.

Para liderar a nova missão, Vargas indicou seu chefe de gabinete, o general Agnaldo Caiado de Castro, companheiro de velha data do presidente, a quem dera suporte durante a vigência do Estado Novo. Atentos às conversas do general Djalma Polli Coelho com o Estado-Maior do Exército e o Estado-Maior Geral, dadas por meio de relatórios secretos e reservados em 1947, caberia a Caiado uma manobra geniosa para combater a especulação imobiliária apontada por Coelho na área da “farinha podre”, como era conhecida a região do Triângulo Mineiro por sua umidade, que estragava o produto alimentício. Este tema, no entanto, será abordado na reportagem de amanhã.
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