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Política & Poder

Por 2022, Doria muda de ‘BolsoDoria’ e segurança para anti-Bolsonaro e saúde

O governador é reconhecido nacionalmente por ter viabilizado a Coronavac, a primeira vacina distribuída em larga escala no país

Lindauro Gomes

14/04/2021 11h32

Carolina Linhares
São Paulo, SP

Enquanto a segurança pública foi uma área de destaque nas promessas do governador João Doria (PSDB) em sua campanha de 2018, quatro anos mais tarde, em 2022, a plataforma política do tucano terá a vacina, a saúde e a retomada da economia como protagonistas.

Na eleição passada, o discurso de valorização da polícia serviu ao propósito de se associar à base eleitoral de Jair Bolsonaro –foi mais uma estratégia da costura BolsoDoria. Agora, quando o governador se vende como o principal opositor do presidente, a pauta da pandemia é a mais adequada para a tática do candidato anti-Bolsonaro.

A mudança, claro, foi imposta pela tragédia provocada pelo coronavírus no Brasil, mas Doria não poderia repetir o enredo da segurança pública nem se quisesse. As pontes com o setor, segundo policiais ouvidos pela reportagem, foram implodidas. A principal razão apontada é o aumento salarial de 5% para a categoria, quando a promessa era a de que São Paulo teria a segunda polícia mais bem paga do país até 2022.

Membros do governo já admitem que a meta não deve ser alcançada e atribuem à pandemia esse revés. Mas a gestão Doria lista uma série de iniciativas na segurança pública, como pagamento de bônus por produtividade, inauguração de Baeps (Batalhão de Ações Especiais de Polícia) e compra de pistolas, drones e viaturas blindadas. O Orçamento de 2021, no entanto, mostra que Doria cortou cerca de 40% da verba prevista para novos Baeps, Deics, delegacias da mulher 24 horas, bases comunitárias móveis e aparelhamento das polícias.

Auxiliares do governador dizem que a segurança não foi escanteada, e que Doria inovou ao manter reunião semanal com o chefe da pasta, general João Camilo Campos. Doria ainda fez um relevante aceno aos policiais ao incluí-los de forma prioritária no calendário de vacinação a partir deste mês, assim como os professores.

Nada disso, no entanto, parece sensibilizar a tropa. A simpatia dos policiais com Bolsonaro ajuda a moldar a visão de que Doria traiu e usou a categoria. Se o figurino de amigo da polícia e aliado de Bolsonaro já não lhe cabe, Doria teve vitórias incontestes na área da ciência e da saúde –ponto crucial para diferenciá-lo do negacionismo bolsonarista.

O governador é reconhecido nacionalmente por ter viabilizado a Coronavac, a primeira vacina distribuída em larga escala no país. No fim de março, também anunciou a fase de testes da Butanvac, imunizante que será produzido pelo Instituto Butantan.

O vice Rodrigo Garcia (DEM) diz que a marca da gestão será “o governo que viabilizou a vacinação dos brasileiros”. “O estado é modelo no enfrentamento da pandemia”, completa, mencionando o Plano SP e o comitê de contingenciamento.

Para Garcia, que pretende concorrer ao governo, o foco da campanha em 2022 deve ser emprego e renda.
Se a pauta da segurança pública agrada a uma base militante sectária, a defesa da vacina e o combate à pandemia têm caráter de “frente ampla”, tanto que as conquistas do Butantan foram comemoradas da esquerda à direita.

Doria capitaliza o tema –posou na foto da primeira vacina, acompanha entrega de lotes, deu entrevistas a veículos estrangeiros, trabalha pelo protagonismo da frente de governadores e ainda fustiga Bolsonaro em entrevistas e redes sociais. “Grande dia”, tuitou a respeito da Butanvac.

Está em curso a metamorfose do João trabalhador, de 2016, para o João vacinador, de 2022. Pelo Twitter, responde a detratores “vou te vacinar também”, além de assumir e explorar o xingamento bolsonarista “calça apertada”.

Aliados afirmam que o tucano é visto como a figura pública mais empenhada no combate da pandemia, principal defensor da vida, da ciência, da democracia e da vacina, e que esse ativo atinge os quatro cantos do país.

Tucanos veem ainda liderança de Doria em ações de restrições e uso de máscara.

Doria, que mira o Palácio do Planalto desde antes de se tornar governador, tem na nacionalização de seu nome um dos entraves para a candidatura à Presidência da República, problema que a vacina ajuda a solucionar.

O tucano, porém, já admite também concorrer à reeleição, num cenário em que seu campo político tem congestionamento de nomes e está esmagado pela polarização entre Bolsonaro (sem partido) e Lula (PT).

Além da vacina em si, o governo Doria lista outras conquistas na saúde, como ampliação dos leitos de UTI de 3.500 para 9.000 (até o fim de março), o investimento de R$ 1,6 bilhão do caixa do estado, a distribuição de 4.000 respiradores comprados ou doados, a construção da nova fábrica do Butantan com verba da iniciativa privada e a entrega dos hospitais Estadual de Serrana e Regional do Litoral Norte e da AME de Campinas.

“A gestão da pandemia pelo tucano, contudo, também foi alvo de crítica. Quem analisa o comportamento de Doria lembra que ele cedeu a pressões de comércio, prefeitos, escolas e igrejas em ocasiões diversas, deixando de ouvir seu conselho de médicos e especialistas. Proporcionalmente, São Paulo é o 10º estado com mais mortes no país.

O discurso de defesa da ciência foi comprometido com o corte de R$ 454,7 milhões no orçamento da Fapesp, que acabou sendo revertido após pressão da opinião pública. Com a pandemia, a gestão Doria cortou recursos para abertura de unidades de saúde prometidas e chegou a improvisar com leitos de campanha em locais onde hospitais estão para ser entregues.

Mas o maior estrago de imagem para o governador se deu no anúncio equivocado das vacinas. Na Coronavac, alardeou eficácia de forma picotada, e o número global só veio depois: 50,38%. Já a Butanvac foi propagandeada como 100% brasileira, mas teve tecnologia importada dos EUA.

Em ambos os episódios, aliados e detratores de Doria avaliaram que sua conhecida obsessão por marketing e a instrumentalização política da pandemia conseguiram estragar um anúncio positivo e ainda deu munição para “os sabotadores da vacina.

Por outro lado, as ações de Doria também deixaram claro que o Planalto está a reboque de São Paulo na vacinação.
“Se não tivéssemos o empenho do governador, o Brasil provavelmente não teria começado sua vacinação efetiva”, afirma Francisco Balestrin, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios de São Paulo.
“Se isso será suficiente para ele se candidatar, é outra história, não sei dizer. Mas a aposta na saúde foi correta.”

O médico lembra, todavia, atitudes de Doria que “constrangeram o SUS no momento mais terrível”, como aumento do ICMS para produtos hospitalares e o corte de 12% em repasses de convênios a Santas Casas, hospitais filantrópicos e outras entidades da saúde.

“Foi a surpresa negativa. Mas a vacina é espetacular, um legado nacional, um presente que o governador e os cientistas deram ao Brasil.”

O infectologista Marcos Boulos, do comitê que aconselha Doria, problematiza o legado, já que será preciso investimento em recursos humanos para manter a ampliação do sistema de saúde.

O médico avalia que Doria enfrentará resistência ao capitalizar com a pandemia, pois São Paulo também viveu colapso na saúde e pelo fato de o principal mérito da vacina ser do Butantan.

“Doria vai usar isso, mas a vacina aconteceria independentemente do governo. O Butantan tem sua vida própria, e seus recursos vêm do Ministério da Saúde”, diz.

O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que é médico, diz que Doria e os demais governadores tiveram postura mais responsável, mas que isso e a vacina são “insuficientes para ele se afirmar como alternativa a Bolsonaro”.

Se Doria enfrenta críticas na sua nova zona de conforto, no seu reduto anterior, o da segurança pública, os policiais se consolidam como força de oposição. Um coronel da PM afirma de forma reservada que a base política do governador na tropa “é abaixo de zero”, que seu grau de aceitação é pior do que o de tucanos anteriores e que ele “não angariou nenhum adepto e não vai ter nenhum voto”.

Os deputados estaduais Coronel Telhada (PP) e Major Mecca (PSL) afirmam que Doria não pode mais se escorar na bandeira da segurança pública, pois o sentimento da tropa é de desgosto, e que o tucano tem uma imagem terrível e a credibilidade afetada.

Eles criticam o remanejamento de policiais para abertura de novos batalhões e dizem que a entrega de equipamentos é apenas obrigação.

A questão do salário foi fatal. “Era um pacto, e Doria rompeu”, diz Mecca. “Se ele vier falar em segurança em 2022, fica mais do que provado que é um cara de pau”, afirma Telhada.

“Doria quer ser o Robin Hood da vacinação, mas sabemos que ele está usando a pandemia como campanha política”, completa o coronel.

As informações são da FolhaPress

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