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Brasília

Déficit de pediatras prejudica crianças na rede pública

Arquivo Geral

07/09/2015 9h19

Jurana Lopes

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A falta de médicos especializados em Pediatria é um problema que preocupa pais e afeta crianças. Apenas na rede pública   da capital, de acordo com a coordenadora de Pediatria da Secretaria de Saúde, Carmen Martins, seriam necessários  pelo menos  mais 250 pediatras. O déficit de profissionais gira em torno de 30%. A carência, que ocorre também  nos hospitais privados,    se repete em todo o Brasil.  

Na rede pública, o quadro atual de pediatras é composto por 587 profissionais, sendo 27 temporários. Do total, 334 trabalham 40 horas por semana e os demais 253, 20 horas. Porém, o governo admite que o número ainda é muito baixo para atender toda a demanda de pacientes infantis. 

“Hoje, por conta do déficit, algumas unidades tiveram que ter o atendimento de Pediatria suspenso. Foi o que aconteceu nos hospitais regionais de Samambaia e Santa Maria, que só possuem neonatologistas. Ou seja, atendem exclusivamente os recém-nascidos”, explicou Carmen Martins.

Diante da carência, o governo decidiu suspender o atendimento em outras unidades. Desde  o último dia 24, não há mais pediatras na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Sebastião. Das UPAs de todo o DF, apenas a do Núcleo Bandeirante atende a especialidade. 

De acordo com Carmen, a medida foi tomada para evitar tanto o desgaste dos profissionais como da população. “Decidimos suspender o atendimento e redistribuir esses pediatras, pois, assim, conseguimos aumentar o quantitativo nos hospitais. Foi o mesmo que fizemos na UPA de Ceilândia, que teve os pediatras encaminhados para reforçar o atendimento no Hospital Regional de Ceilândia”, informou.

A coordenadora de Pediatria da SES-DF lembra que  o déficit  interfere na rapidez do atendimento. “As escalas são ruins por causa da escassez de médicos. O ideal seria ter, no mínimo, três pediatras em cada turno para atender no pronto- socorro de cada hospital. Mas, infelizmente, às vezes isso não é possível, o que resulta em demora no atendimento”, afirmou.

Peregrinação atrás de médicos

Nos prontos-socorros dos hospitais, uma coisa que não falta é reclamação. A confeiteira Jéssica Ramos, 22 anos, se queixa da falta de pediatras na rede pública. “Passei por vários hospitais com a minha filha e em todos diziam que não tinha pediatras. Ela está com febre e tossindo muito”, contou. Jéssica estava no Hospital Regional do Paranoá (HRPa) e aguardava atendimento há mais de duas horas. 

Carla Rodrigues, 27 anos, doméstica, também estava no HRPa aguardando o filho, de 6 anos, ser atendido. “Desde a semana passada estou atrás de pediatras para o meu filho, só agora que consegui, mas o atendimento é muito lento”, reclamou.

Por causa do fechamento da pediatria no Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), muitas mães são obrigadas  a percorrer longas distâncias e   buscar amparo  para seus filhos em outras localidades. Esse é o caso da dona de casa Vanessa Menezes, de 30 anos. Ela tem três filhos e agora costuma recorrer  ao Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) quando um deles passa mal. 

“Antes de fechar a pediatria do HRSM eu ia lá, mas nunca conseguia ser atendida e tinha que ir ao Hospital do Gama, que sempre está lotado. Então, quando as crianças adoecem, venho até o Hmib  porque meus filhos sempre são atendidos”, relatou.

Dois anos de espera

O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) fez uma auditoria sobre os serviços de atenção básica à saúde e o relatório final aponta que a espera por consultas na especialidade de  Pediatria em hospitais públicos pode chegar a dois anos e meio. Segundo o estudo, as especialidades infantis mais afetadas são cardiologia, neurologia, cirurgia, gastroenterologia, dermatologia e pneumologia. 

A Secretaria de Saúde reconhece a demora. “Sabemos que tem determinadas especialidades com mais de três mil crianças aguardando. Porém, estar na fila não quer dizer quem quem espera tem alguma doença grave. A regulação da secretaria classifica os pacientes por ordem de gravidade. Então, os casos mais graves são chamados primeiro”, destacou a coordenadora de Pediatria da SES-DF, Carmen Martins. 

Ela explica que há poucos pediatras especialistas em áreas de maior complexidade, como neurologia pediátrica e cardiologia. Além disso, a maioria da marcação de consultas é feita por meio do centro de saúde. “Coloca-se o nome na fila, às vezes há uma demora de meses para a criança ser chamada e nem sempre a consulta é em um hospital próximo, o que faz com que haja com frequência a ausência de pacientes”, explicou.

Demora

Mãe de uma menina de seis meses, a doméstica Jennifer Gonçalves,  26 anos, faz o acompanhamento da filha no Hmib desde que a criança nasceu. Ela  se queixa da demora. Outra mãe, Rosilene Moreira, 35, dona de casa,   saiu da Cidade Ocidental (GO) para conseguir atendimento para o filho de um ano. “Lá na Ocidental nunca tem aparelho para fazer exame. No Gama é muito lotado, então prefiro me deslocar mais e ter certeza de que meu filho será bem atendido”, diz.

Especialidade menos rentável

A Secretaria de Saúde argumenta que a falta de pediatras é um problema nacional e que a atual gestão tem se esforçado para completar as escalas da especialidade nas unidade de saúde pública do Distrito Federal. Desde o início do ano, foram nomeados 78 pediatras, mas apenas 24 tomaram posse. Outros  34 pediram reposicionamento em final de fila – ou seja, serão chamados em uma nova convocação. 

Atualmente, 63 pediatras aprovados no último concurso, de maio de 2014, aguardam nomeação. Para piorar a situação, 18 profissionais se aposentaram. A coordenadora de Pediatria da Secretaria de Saúde informou ainda que a maioria dos pediatras nomeados que pediram para voltar para o fim da fila ainda está terminando a residência,   por isso  não pode  assumir o cargo no serviço público. 

Outros rumos

O presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF), Gutemberg Fialho, ressalta que houve um declínio na formação de pediatras. Isso porque   muitos profissionais preferem se especializar em outras áreas, tendo em vista que a Pediatria não envolve diretamente muitos procedimentos, o que gera rentabilidade na hora de trabalhar na rede privada. 

“vontade política”

Na opinião de Fialho, de fato, há poucos médicos especialistas em Pediatria. Porém, “falta vontade política” para solucionar o déficit de pediatras na rede pública. 

“Em vez de a secretaria chamar os aprovados no concurso aos poucos, deveria  nomear todos de uma única vez. Além disso, já se sabe que em breve vão nomear o restante dos aprovados no último concurso. Então, já deveriam estar publicando o edital para um novo certame”, avaliou.

Remuneração mensal de até R$ 19 mil

Segundo a   Secretaria de Saúde, a remuneração inicial dos pediatras é de R$ 6,3 mil para jornada 20 horas semanais e R$ 12,6 mil para 40 horas. Todos os profissionais têm o direito de receber gratificações por titulação e insalubridade, o que pode elevar os salários   para valores entre R$ 9,5 mil e R$ 19 mil.

O presidente do Sindicato dos Médicos (SindMédico-DF), Gutemberg Fialho, avalia que o salário oferecido   é muito bom. Mas, para ele, falta    ampla divulgação para que   o número de inscritos de outros estados seja  maior. “A divulgação deveria ser feita em todo o País, porque   chamaria a atenção de profissionais que realmente estão interessados. Além disso, haveria inscritos suficientes até mesmo para um cadastro de reserva”, ressaltou.

O sindicato não estima o quantitativo de pediatras que trabalham na rede privada, pois há profissionais que atuam tanto no serviço público como na medicina suplementar e particular. Então, o  único número de que se pode ter certeza refere-se aos médicos que estão no serviço público. 

Fialho constata, porém, que o quantitativo de profissionais do DF seria suficiente para atender a rede privada, mas a remuneração ofertada é muito baixa e não atrai os pediatras. “Se os salários na rede particular fossem mais altos, com certeza não faltariam pediatras. O problema está na contratação”, afirmou.

Independentemente dos motivos e da rede, pública ou privada,  quem sofre é o cidadão. Regina Lima, 33 anos, buscou atendimento para o filho na UPA do Recanto das Emas e foi informada de que não há mais emergência pediátrica no local. “Fui a Samambaia e lá também não atende. Não fui a Ceilândia   nem a Taguatinga porque sabia que o atendimento iria demorar muito”, explicou.

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